domingo, 11 de abril de 2010
há um muro
Há um muro –
– Não o vês? –
Em meus olhos,
Em minhas palavras,
Em meus gestos.
Eu não os entendo.
Seus bailes, seus bares,
Suas batidas sem melodia,
A escola de suas vidas.
Eles não me entendem.
Meus sonhos, meus atos,
Meus medos, minha poesia,
A história de minha vida.
Mas, como disse o Murilo,
Todos – nós e eles –
Temos uma chaga aberta.
E ninguém sabe cuidar
Da chaga aberta.
Eu sei, Jesus, – e creio –
Que tua chaga aberta
Derrubou as muralhas
Arrancou as mortalhas.
Eu sei.
Mas o que estou procurando
Eu ainda não encontrei.
André Deschamps
domingo, 4 de abril de 2010
A história de uma caverna
Era uma vez uma caverna
Uma rija ríspida rocha
Onde o silêncio, a paz eterna,
Brilhava que nem uma tocha.
Em frente à caverna, um jardim
De suaves singelos girassóis,
Ponteando um lírio e um jasmim,
Encantava a todos nós!
De todas, era a mais contente
Dos meninos o esconderijo,
Dos solitários o confidente,
Dos tristes o fiel amigo.
Mas frágil tal qual uma teia
É deste mundo a euforia.
A alegria tornou-se areia
Quando soube: sepulcro seria.
“Por que eu?” a rocha gritou.
- Quem disse que rocha não chora? –
E a caverna impura ficou
A partir daquela infeliz hora.
Os girassóis agora regados
Pelas lágrimas da solidão;
Os homens fugiam assustados
Da lápide de maldição.
Abandonada, triste, vazia
Tal qual meu ermo coração
Assim a caverna vivia
Em sua nova condição.
Escolheram um dia de festa:
Da Páscoa a preparação
Mas que poderia ser festa
Este dia de condenação?
Bem antes do pôr-do-sol
Chegou a triste procissão
Ouvia-se cada girassol
Suspirando de lamentação.
Envolto em faixas jaz o morto,
Em sangue, lágrimas, saudade
O barco atracado ao porto
No repouso da eternidade.
Algo a rocha não pôde explicar:
No dia mais triste de sua vida,
Começou a experimentar
Uma alegria incontida.
Aquele ser desfigurado
Brilhava que nem uma lanterna
O seu corpo ensanguentado
Iluminava a caverna.
Só ela – oh, só ela contemplou
O que no breu se operou
Só ela – oh, só ela vislumbrou
Como o corpo se transfigurou.
Seus olhos então despertaram
E a caverna sua boca abriu
Só os girassóis escutaram
Naquela madrugada de abril.
Seu corpo não está mais aqui
Mais uma vez a rocha vazia
As faixas e os panos ali
Testemunhas daquele dia.
Inclinada com devoção
A rocha reveste-se do manto
Em um momento de adoração
Enxuga com o pano seu pranto.
Hoje a caverna bendiz o dia
Mais infeliz de sua vida
A tristeza virou alegria
A morte não venceu a vida.
Amolecem os corações
Diante desta rocha fria
Testemunha de transformações
De quem nela entra e espia.
Era uma vez uma caverna
Alegre como uma criança
Tornou-se então memória eterna
De quem não engana a esperança.
Sua alegria é estar vazia
Para preencher o coração
De quem ainda não acredita
Na força da ressurreição.
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